Desafios e oportunidades do hidrogênio verde

A promessa do hidrogênio verde para um futuro sem carbono

Hidrogenio verde Transição energética

As energias solar e eólica registraram um crescimento considerável na rede elétrica na última década, mas quando o sol não está brilhando e o vento não está soprando, o hidrogênio verde pode complementar a produção.

La promesa del hidrógeno verde

O hidrogênio produzido juntamente com as energias renováveis pode contribuir para a descarbonização de processos industriais, como a fabricação de fertilizantes e o abastecimento de veículos de grande porte.

Na Zona Franca de Barcelona, os ônibus municipais param em um posto de abastecimento no final do expediente para encher o tanque, como fazem em todas as cidades do mundo. Mas esse posto é diferente. Em vez de bombear gasolina ou diesel, ela fornece hidrogênio comprimido, e esse processo representa um elemento fundamental da revolução da energia verde.

A energia solar e eólica atendeu um total de 10,5% das necessidades de geração de eletricidade do mundo em 2021. Pode não parecer muito, mas isso representa mais de dez vezes o valor de apenas uma década atrás. Somente nos Estados Unidos, a geração de energia renovável deve crescer 82 % até 2030.

Esses números refletem uma tendência positiva, já que a economia global trabalha para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, incluindo o dióxido de carbono (CO2) proveniente de combustíveis fósseis. No entanto, a energia eólica e a solar não conseguem atender totalmente a essa demanda sem uma forma de compensar as quedas diárias e sazonais na produção. E é aí que entra o hidrogênio verde.

"O importante para a estabilidade da rede, à medida que avançamos em direção aos sistemas renováveis, é a intermitência", diz Adolfo Rivera, diretor sênior de hidrogênio verde da AVANGRID, cuja empresa controladora, a Iberdrola, construiu o posto de abastecimento de hidrogênio de Barcelona. "Se for possível criar hidrogênio com energia [eólica e solar] e armazená-lo, será possível usá-lo quando a rede precisar. O hidrogênio é um ótimo vetor de energia".

O hidrogênio produzido a partir de energia renovável também pode contribuir para descarbonizar processos industriais, como a fabricação de fertilizantes e o abastecimento de veículos de grande porte, como os ônibus de Barcelona.

As várias cores do hidrogênio

Em nível mundial, a geração elétrica e o transporte representam as duas maiores fontes de emissões de dióxido de carbono. No entanto, as energias solar e eólica, por si só, só podem conseguir que o mundo se aproxime parcialmente das emissões zero exigidas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU para evitar os efeitos mais catastróficos das mudanças climáticas.

Isso ocorre porque as energias eólica e solar não funcionam em tempo integral e as baterias químicas só podem alimentar caminhões, navios e aviões até um determinado ponto. É necessário que exista uma maneira de converter as energias eólica e solar em uma forma concentrada e armazenável que não se degrade com o tempo. Em outras palavras, em combustível.

O hidrogênio é o elemento mais abundante no universo. Aliás, nós ingerimos hidrogênio todos os dias como H2O. Também é um combustível eficiente e não poluente, cujo único produto de combustão é a água. A NASA até escolheu o hidrogênio para alimentar seu novo foguete lunar porque se trata do combustível mais eficiente para isso, já que fornece mais impulso por unidade de massa do que qualquer outro propulsor.

No entanto, apesar de sua abundância e fiabilidade como combustível, a produção de hidrogênio geralmente depende de combustíveis fósseis para gerar o que é conhecido como hidrogênio cinza. "Também existe o hidrogênio rosa, que pode ser produzido com energia nuclear", explica Enrique Bosch, diretor de inovação da AVANGRID. "Nesse caso não há emissões de CO2, mas esse processo acaba gerando resíduos nucleares, o que faz com ele não seja tão bom assim na nossa opinião”. Isso é o oposto do que ocorre com o hidrogênio azul, produzido em um processo que captura a maioria, mas não todas, as emissões do hidrogênio cinza. "Na nossa opinião, essa é uma outra solução que não é tão boa quanto a verde, já que acaba emitindo um pouco de CO2", afirma Bosch.

O hidrogênio verde, por outro lado, é produzido com eletricidade procedente de fontes renováveis e livres de carbono, como a energia eólica e solar. A energia livre de carbono divide a água em seus elementos constituintes —hidrogênio e oxigênio— em um processo conhecido como eletrólise. O processo inverso, combinando hidrogênio com oxigênio em um dispositivo conhecido como célula de combustível, produz eletricidade.

A eletricidade produzida dessa forma é a que abastece os novos ônibus de Barcelona, embora também possa ser queimada diretamente como um combustível livre de emissões para motores de combustão interna; seu único subproduto é a água.

Nos novos ônibus de Barcelona, os tanques de hidrogênio alimentam uma célula de combustível que carrega uma bateria convencional de íons de lítio. A bateria alimenta um motor elétrico, como nos veículos elétricos puros. A principal vantagem em relação aos carros elétricos sem célula de combustível é que os tanques de hidrogênio podem armazenar mais energia do que as baterias, proporcionando maior autonomia aos veículos. Eles também podem reabastecer de maneira mais rápida do que os veículos elétricos convencionais (alguns minutos contra uma hora ou até mais).

Essas vantagens tornam a energia do hidrogênio algo atraente para veículos mais pesados e de longa distância, como os ônibus municipais, que precisam circular muitas horas entre as paradas para poder abastecer seu tanque.

Apesar das vantagens, ainda existem desafios para a adoção generalizada do hidrogênio como armazenamento de energia.

Rumo a uma economia de hidrogênio

Ainda não existem redes amplas de transporte e armazenamento de hidrogênio na escala necessária para substituir os combustíveis fósseis no transporte e na geração de energia. Além de ser o elemento mais abundante, o hidrogênio também é o mais leve, o que dificulta o seu armazenamento. "Ele é diferente do gás natural", diz Bosch. Isso significa que os dutos e tanques não modificados para outros combustíveis não servirão. Mas Bosch não vê nenhum obstáculo. "Sabemos como armazenar o hidrogênio", afirma. "Conhecemos o elemento. Conhecemos o tipo de equipamento que temos que usar".

O maior desafio para Bosch é como ampliar a infraestrutura necessária para abastecer milhões de veículos, usinas de energia e fábricas. "É preciso aumentar essa escala no mesmo nível que temos para o gás natural”. No entanto, sem a demanda que já existe, por exemplo, para a eletricidade, os custos permanecem altos, o que, por sua vez, dificulta a adoção do hidrogênio como combustível. Esse é um dos motivos pelos quais os veículos elétricos puros decolaram mais rápido do que os movidos a hidrogênio. Apesar da necessidade contínua de mais infraestrutura pública de recarga, os motoristas podem conectar seus veículos em casa com pouca ou nenhuma melhoria; inclusive podem recarregar usando tomadas de parede normais, embora seja um processo mais lento.

 O futuro da rede

De acordo com Bosch, serão necessários incentivos governamentais para alcançar economias de escala globais e permitir que o hidrogênio verde ocupe os espaços deixados pelas formas intermitentes de energia renovável. "Atualmente, é difícil competir com as fontes tradicionais de hidrogênio", afirma. "Mas agora contamos com alguns programas de financiamento nos EUA, então acho que a economia do hidrogênio verde pode se desenvolver no mesmo nível e competir na mesma faixa de preço que outras cores". Em 2022, por exemplo, o Departamento de Energia dos EUA lançou um programa de 8 bilhões de dólares para construir centros regionais de hidrogênio limpo previstos na Lei de Infraestrutura Bipartidária, aprovada no final de 2021.

Quando o hidrogênio verde atingir a paridade de preço com outros combustíveis, a Bosch acredita que a economia do hidrogênio verde decolará. Na realidade, ela precisa se desenvolver para que a economia global se torne livre de carbono, de acordo com a McKinsey & Company. Bosch espera que, dentro de dez anos, o hidrogênio verde esteja alimentando a indústria de construção naval e abastecendo processos como a fabricação de fertilizantes. "Estamos no lugar e no momento certo para realizar esse movimento de transição energética", afirma. "É um momento incrível”.

Enquanto isso, a iniciativa dos ônibus de hidrogênio de Barcelona continua. A empresa de transportes de Barcelona recebeu seu primeiro ônibus movido a hidrogênio no final de 2021, incluiu outros sete à sua frota em 2022 e planeja chegar a um total de 60 até 2025.

 

Fonte: Washington Post. Texto original em inglês.