Sistemas hídricos e gases de efeito estufa

O papel dos sistemas de água nas emissões de gases de efeito estufa

Fecha

Janeiro de 2022

Tiempo de lectura

Aproximadamente 6 minutos


Peter Gleick

Hidrólogo e climatologista do Pacific Institute

A água doce é vital para todas as atividades humanas, desde o cultivo de alimentos até a fabricação de bens e serviços, passando também pela manutenção de ecossistemas naturais saudáveis. Muitos dos avanços e vantagens da civilização moderna representam o resultado das melhorias em nossa capacidade de coletar, tratar e distribuir água de alta qualidade para fazendas e cidades em crescimento, além de coletar e tratar águas residuais para evitar a poluição do nosso meio ambiente.

Quais são os desafios hídricos a serem resolvidos?

Muitos desafios difíceis relacionados à água ainda estão por resolver. Bilhões de pessoas ainda não têm acesso à água potável e saneamento básico. Os ecossistemas naturais estão sofrendo com a perda de água que os seres humanos consomem em benefício próprio. As disputas políticas e os conflitos pelos recursos hídricos distribuídos estão em ascensão. E o desafio das mudanças climáticas causadas pelo homem ameaça os recursos hídricos de muitas maneiras, incluindo o aumento da temperatura e da demanda de água, o crescimento da gravidade de fenômenos extremos como inundações e secas, e as novas ameaças à qualidade da água.

Ao mesmo tempo que aprendemos como administrar a água de forma mais eficiente e sustentável, também aprendemos que existem conexões muito próximas entre água e energia - outro desafio global complexo - e que um futuro sustentável exigirá que estes dois importantes recursos naturais sejam pensados juntos.

Fatores no nexo “agua-energia-clima”

Há dois fatores importantes a se considerar ao abordar o nexo "água-energia-clima".

Fator 1

O primeiro é que uma quantidade significativa da energia que usamos vai para o funcionamento de nossos sistemas de água: para coletar, tratar, distribuir e usar a água em nossas casas e indústrias, além do tratamento de águas residuais. Em algumas regiões do mundo, até 20% ou mais do nosso uso total de energia vai para o sistema de água, incluindo a energia que fornece água quente às nossas casas. E algumas das novas ideias para ampliar nosso abastecimento de água, como a dessalinização da água do mar, são extremamente intensivas em energia. Quando esta energia é fornecida por combustíveis fósseis, ela contribui para a emissão de gases de efeito estufa e aumenta o próprio desafio da mudança climática que, por sua vez, ameaça nossos sistemas naturais de água.

Fator 2

O segundo fator é que muitos de nossos sistemas energéticos tradicionais, tais como carvão, petróleo, gás natural e usinas nucleares, requerem grandes quantidades de água para refrigeração. Nos Estados Unidos, até 40% de todas as captações de água são utilizadas por usinas elétricas. À medida que a pressão sobre a água aumenta com a população e as economias em expansão, esta demanda por água sobrecarrega cada vez mais os limitados recursos hídricos. Mesmo agora, durante secas severas, algumas usinas na Europa, Estados Unidos e outros países tiveram que encerrar suas atividades devido à escassez de água de resfriamento. À medida que as temperaturas aumentam e as secas se agravam em algumas regiões, estes problemas se tornarão mais generalizados.

 

Gestão sustentável da água

A boa notícia é que existem soluções bem-sucedidas e sustentáveis para cada um desses desafios no que diz respeito ao nexo entre água, energia e clima. Como cada vez mais regiões se deparam com a limitação de água, onde não podem encontrar novas fontes, uma estratégia vital para o abastecimento e os serviços hídricos é melhorar a produtividade e a eficiência do uso da água. Podemos, por exemplo, cultivar mais alimentos com menos água utilizando métodos avançados de irrigação, tais como o gotejamento de precisão e uma melhor detecção remota da umidade do solo para que os agricultores possam irrigar seus campos nos lugares e momentos corretos. Algumas indústrias e empresas estão se esforçando para poder produzir os bens e serviços que a sociedade exige com menos água e menos energia. Já os eletrodomésticos como máquinas de lavar roupa, máquinas de lavar louça, vasos sanitários e chuveiros são hoje mais eficientes do que há alguns anos. Essas tecnologias podem reduzir a quantidade de água necessária e, ao mesmo tempo, reduzir a quantidade de energia necessária para fornecer esses serviços de água. Hoje, uma das formas mais econômicas de equilibrar a oferta e a demanda de água é melhorar a eficiência do seu uso e, ao mesmo tempo, economizar energia.

As novas estratégias para expandir o fornecimento também podem ser mais eficientes em termos energéticos. As novas e sofisticadas estações de tratamento de águas residuais, tais como as que permitem a reciclagem e a reutilização atualmente em uso em Singapura, Israel, Califórnia e outros lugares, muitas vezes requerem quantidade significativa de energia, mas as tecnologias inovadoras podem capturar o metano e a energia produzida durante o tratamento para alimentar essas novas estações. As estações de tratamento de águas residuais do East Bay Municipal Utilities District na Califórnia, que atendem mais de um milhão de pessoas, atualmente produzem mais energia do que utilizam.

Gerar energia limpa e reduzir o impacto sobre a água

O nexo água-energia-clima é algo real, com fortes conexões entre estes três grandes desafios globais. Estratégias inteligentes podem ajudar a sociedade a proteger e preservar nossos sistemas vitais de água doce, reduzir os conflitos e a competição por recursos hídricos escassos e, ao mesmo tempo, enfrentar os graves desafios energéticos, reduzindo a energia e as emissões de gases de efeito estufa associadas aos sistemas hídricos que são tão fundamentais para a civilização humana.

Peter Gleick é um cientista americano que trabalha em questões relacionadas às ciências ambientais, desenvolvimento econômico, segurança internacional, ética científica e integridade, com foco nos desafios globais da água doce. Trabalhou no "Instituto do Pacífico" em Oakland, na Califórnia, que ele co-fundou em 1987. Em 2003, recebeu uma bolsa MacArthur por seu trabalho em recursos hídricos. Entre as questões que ele abordou estão os conflitos pelos recursos hídricos, o impacto das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos, o direito humano à água, os problemas de bilhões de pessoas sem água segura, saneamento acessível e confiável. Em 2006, foi eleito para a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

Artigo publicado na edição 12 da Shapes em janeiro de 2022.