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Artigo de opinião de Ignacio S. Galán, presidente da Iberdrola, publicado no jornal espanhol ‘Expansión’ no dia 19 de agosto

2021-08-19 00:00:00.0

Ponto de não retorno ou uma oportunidade para consolidar um novo caminho?

Há alguns dias foi publicado o sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC), que se baseou em 14.000 artigos de pesquisa, teve a participação de 234 cientistas de 65 países e recebeu 78.000 comentários. Graças aos avanços da ciência do clima, o relatório foi categórico ao constatar, de uma forma nunca antes vista, que o planeta clama por alterações radicais para garantir sua sobrevivência e que as causas das mudanças climáticas — assim como a capacidade para revertê-las — são o resultado inequívoco da atividade humana.

A queima de combustíveis fósseis continua aumentando as temperaturas até limites nunca registrados, poluindo o ar que respiramos e destruindo ecossistemas imprescindíveis para o equilíbrio ecológico do planeta. Os autores do relatório alertam para a relação direta e indiscutível entre o impacto da atividade do ser humano e os fenômenos climáticos extremos, tais como secas, inundações, ondas de calor, incêndios, entre outros. Também destacam com mais clareza que jamais estivemos tão próximos do ponto de não retorno.

O panorama descrito pelo estudo, unido à inércia negativa gerada após décadas de inação, poderia nos levar ao desânimo. No entanto, existem razões mais do que fundadas para acreditar que a situação ainda é reversível, pois sabemos qual é o diagnóstico do mal que nos aflige, mas também temos o conhecimento, a tecnologia e as capacidades para impedir que o problema avance desde já.

O relatório, cujas principais conclusões foram aprovadas por todos os governos dos países-membros da organização, incluindo a Espanha, é um apelo urgente à ação por parte da comunidade científica: não resta outro caminho que acelerar drasticamente as políticas que nos conduzam à neutralidade das emissões, tais como renunciar ao uso de combustíveis fósseis e apostar na eficiência, nas energias renováveis e no investimento em redes e em sua digitalização. Para conseguir esse objetivo, todas as fontes de energia não emissoras serão necessárias, sem penalizar nenhuma delas por razões conjunturais.

Há apenas algumas décadas, uma afirmação como essa poderia significar cairmos em um abismo de incertezas, mas atualmente sabemos que uma mudança no sistema energético é perfeitamente possível. Dentro e fora de nossas fronteiras podemos encontrar universidades, centros de pesquisa e empresas vanguardistas que estão liderando essa transformação em todo o mundo. Por isso, devemos aproveitar essa chamada de atenção para agir com urgência, com maior determinação e audácia, revertendo a situação e transformando nosso modelo em outro que seja mais resiliente e sustentável. E que também seja mais próspero para todos.  

Nos últimos anos, os países têm trabalhado na definição de compromissos e âmbitos de atuação que, agora mais do que nunca, exigem um rápido desenvolvimento e estímulos bem orientados a fim de mobilizar os diferentes agentes para que atuem de forma concreta e consistente. Para tal, é necessário regimes regulatórios que visem objetivos ambiciosos no curto, médio e longo prazo e que não estejam influenciados por conjunturas.

Há quase seis anos, o Acordo de Paris, assinado por 197 países, estabeleceu uma grande ambição para enfrentar a emergência climática: manter o aumento da temperatura abaixo do limite de 2 ºC e realizar todos os esforços para situá-lo, no máximo, a 1,5 ºC. As análises dos especialistas publicadas esta semana deixaram claro que o objetivo de 1,5 ºC só poderá ser conseguido com medidas imediatas e de alto impacto na redução das emissões. É hora de agir. Insisto, com determinação e urgência. As bases já foram definidas.

O impulso demonstrado pelos países da União Europeia foi agora correspondido por outras potências mundiais como os Estados Unidos e o Japão. Eles identificaram a transição verde e a digitalização como os pilares básicos do relançamento e modernização de nossas economias. Além disso, apoiaram sua estratégia para a descarbonização com mecanismos de estímulo e recursos como parte de seus planos de recuperação.

Os compromissos assinados pela Comunidade Europeia — o Green Deal e a Lei Europeia do Clima, desenvolvida através do programa Fit for 55 —, assim como o espanhol — Plano Integrado de Energia e Clima (PNIEC) e a Lei de Mudanças Climáticas e Transição Energética — configuram âmbitos de oportunidades para enfrentar tais desafios, mas agora precisam ser transformados em decisões coerentes e ações rápidas e eficazes.

Precisamos avançar com ousadia rumo a modelos que promovam mais investimentos, recursos e planos de ação em setores produtivos e do futuro; que acelerem a transição para modelos mais respeitosos com os recursos do planeta e mais alinhados à ambição climática, em vez de penalizá-los.

Mais concretamente, no âmbito energético devemos acelerar a implantação de fontes de produção de energias renováveis competitivas e propiciar uma maior eficiência energética no consumo. A eletrificação dos usos finais como a mobilidade e os sistemas de calor nas residências serão essenciais para essa finalidade. Além disso, devemos atribuir mais recursos para promover a inovação, o armazenamento em larga escala (bombeamento hidrológico) e em pequena escala (baterias), assim como a digitalização de nossas redes elétricas, que são a espinha dorsal do sistema energético.

Para atingir esses objetivos, também é preciso implementar reformas que vão além da regulação energética, agilizando processos administrativos; impulsionando parcerias entre empresas e destas com o setor público; realizando uma revisão da tributação energética sob o princípio do "poluidor-pagador"; e tudo isso assumindo como prioridade em termos de país uma profunda reforma educativa para preparar nossos jovens para as profissões do futuro, o que exigirá incentivar as disciplinas STEM — Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática — especialmente entre as mulheres e promover o empreendimento.

A economia verde e circular, cuja adoção urgente este relatório pede, não só nos permitirá ter energia mais limpa e competitiva, como também pode propiciar um novo desenvolvimento para setores como o automotivo, a indústria, a construção, os bens de capital ou a engenharia e um modelo econômico mais eficiente e sustentável que crie empregos qualificados e proporcione um maior bem-estar ao conjunto da sociedade. Nesse sentido, um recente relatório da empresa de consultoria espanhola Analistas Financieros Internacionales (Afi) estima que por cada ponto do PIB investido na economia verde são gerados três de impacto positivo nesse indicador.

A Espanha está em uma posição privilegiada para aproveitar as oportunidades que representa essa maior ambição climática. Temos excelentes recursos renováveis como o sol, o vento e a água, um excelente capital humano, e as empresas também estão demonstrando sua disposição para enfrentar essa mudança. Com compromissos, mas principalmente com fatos. Durante os últimos 20 anos, a Iberdrola apostou, com uma convicção muitas vezes não entendida, na luta contra as mudanças climáticas. Atualmente, já estamos materializando um plano de investimentos sem precedentes de 75 bilhões de euros para 2025 — que serão 150 bilhões na década — para triplicar nossa capacidade em energias renováveis no mundo, avançar na implantação e modernização de nossas redes digitais e inovar em tecnologias de futuro, tais como o armazenamento, o hidrogênio verde e as soluções inteligentes para a mobilidade e as residências. Um programa que está impulsionando a atividade em toda a nossa cadeia de valor quando esta é mais necessária, sustentando mais de 400.000 empregos em todo o mundo.

A redução do impacto das mudanças climáticas e saber aproveitar as oportunidades socioeconômicas da economia verde e digital dependerá de cada passo que dermos, moldando nosso futuro e o das próximas gerações. No próximo outono acontecerá em Glasgow a COP26 - Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Por um lado, aproveitemos essa cúpula mundial para acelerar as políticas existentes, enquanto impulsionamos ambições mais audazes. De acordo com o relatório apresentado pelas Nações Unidas, a atividade humana, que nos conduziu a níveis de desenvolvimento nunca vistos em inumeráveis aspectos, também nos trouxe até esta encruzilhada. Espero que os governos, empresas e cidadãos — todos juntos — mantenham intacta a vontade de encontrar uma solução.