Entrevista com Dario Urzay

Entrevista com Dario Urzay

"A arte sempre estará aqui porque nós, os artistas, sempre podemos criar e sempre estamos criando"

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Maio 2020.    Tempo de leitura: 6 minutos

O artista basco Darío Urzay não esconde sua preocupação pelo impacto da COVID-19 no mundo da cultura em geral e da arte em particular. Apesar disso, traça um halo de esperança pois confia na capacidade de sobrevivência dos artistas: "Na nossa cabeça sempre estão passando coisas e, às vezes, uma folha de papel e uma caneta são suficientes para iniciar alguma coisa".

Entrevista com Darío Urzay, artista presente na coleção Iberdrola.
Entrevista com Darío Urzay, artista presente na coleção Iberdrola.

Darío Urzay (Bilbau, 1961), artista presente na coleção Iberdrola Link externo, abra em uma nova aba., gosta de pesquisar, explorar e experimentar; por isso, tal como confessa nesta entrevista, considera a si mesmo quase mais como um inventor do que um pintor. Essa atitude com relação à vida e à arte lhe levou a criar "hibridações complexas", que constroem um imaginário próprio gerado e amadurecido durante décadas. A seguir, examinamos o passado para revisar sua trajetória, mas também o futuro para saber qual é a sua visão sobre como a COVID-19 castigará o mundo da arte.

Comecemos olhando para trás. Como nasce o interesse de Darío Urzay pela arte?

Comecei aos 11 ou 12 anos, como qualquer criança, com pinturas a óleo, mas abandonei a prática da pintura durante algum tempo. Aos 17, recomecei e fiz uma série de aquarelas de paisagens que enviei a concursos de pintura na Espanha. Ganhei vários prêmios nacionais de aquarela competindo com gente que já era profissional.

Você começou com uma pintura que alguns consideraram como hiper-realista, mas logo evoluiu à abstração. O que é que provocou esta mudança?

Minha primeira presença pública em Bilbau foi em 1977, na Bienal Basco-Navarra de Pintura, com um quadro caracteristicamente hiper-realista. Fazia apenas um mês que eu tinha começado a estudar Belas Artes. Alguns anos depois, surgiu a oportunidade de ir a Londres, convidado pela fundação Delfina Estudios (que acabava de começar), junto com Txomim Badiola. O ano que nós passamos lá foi fundamental para minha carreira e para a mudança. Já aqui, em Bilbau, comecei a fazer um tipo de pintura mais expressionista com quadros feitos com a técnica da encáustica.

em junto com minha natureza o gosto de pesquisar, explorar, experimentar; me considerei sempre mais inventor do que pintor

Hoje, quando o chamam de pintor, se sente à vontade com esse conceito ou considera que existem outros que encaixam melhor com você e sua obra?

Quando alguém me pergunta como eu me definiria, costumo dizer que sou artista plástico porque, além de pintar, faço muitas outras coisas. Recentemente, por exemplo, enviei dois vídeos para o Museu Pushkin de Moscou porque me convidaram para um grande projeto internacional na Internet. Pintor? Não me incomoda, mas se eu tivesse que dizer alguma coisa seria artista plástico.

Durante sua trajetória, você explorou e transitou por numerosos caminhos. O que lhe move a inovar e buscar novas formas de expressão?

Vem junto com minha natureza o gosto de pesquisar, explorar, experimentar; me considerei sempre mais inventor do que pintor. Tive sempre a necessidade de manifestar alguma coisa e de fazê-lo da maneira mais adequada possível. Por isso, algumas vezes, utilizei fotografia, vídeo, modelos 3D, etc.

Você sempre mostrou um interesse pela dialética entre a obra e a pessoa que a observa. Suas obras foram expostas em grande parte do mundo durante as últimas décadas. Você acha que o tempo e o lugar desde onde são observadas influem em dita dialética?

Felizmente, expus em numerosos lugares do mundo; é claro que influi muito nessa dialética desde onde as minhas obras são observadas. A arte, por sua vez, é sempre uma adaptação ao ambiente. Por exemplo, Nova York era um contexto totalmente diferente ao meu; ao final, você tem que ir se adequando e a arte me ajudou nessa adaptação. Os vídeos para o Museu Pushkin que eu mencionei antes estão feitos no confinamento (sem viajar, sem ir a nenhum lugar) e isso influiu em mim para realizar um determinado tipo de obra.

Minhas obras são híbridos porque acho que tudo na vida é híbrido. A realidade é sempre muito mais banal do que o mundo das ideias

A fotografia é fundamental em seu processo artístico. Por que parte da fotografia você se sentiu atraído para integrá-la em suas obras?

A fotografia é um grande meio e desde sua invenção tem tido uma grande repercussão social. Para mim, mais além da fotografia, o mundo da imagem é fundamental, pois pode aparecer de forma pictórica, fotograficamente, temporalmente no modo de narração sequencial. A imagem é muito importante atualmente, pois ela constrói a sociedade.

O mundo atual está marcado pela tecnologia, um elemento que você também integrou em sua obra há tempos. O que você acha de sua crescente influência nas nossas vidas?

Tecnologicamente, o mundo disparou desde o século XIX, que foi um século de revolução. No século XX, com o surgimento da televisão e dos computadores, o mundo é outro. O mundo não cresceu somando de um em um, mas exponencialmente. O que acontecerá daqui a 20 ou 30 anos? Veja como o celular tem evoluído nos últimos anos, agora temos um super computador pessoal na mão. Estamos totalmente influenciados pela tecnologia.

Suas obras costumam ser definidas como “hibridações complexas”. Você poderia explicar este conceito aplicado em alguma de suas peças presentes na coleção Iberdrola: D88L0869 (2006) ou Pasajes nocturnos (2011)?

Sim, minhas obras são híbridos porque acho que tudo na vida é híbrido. A pureza e a essencialidade são coisas que pertencem a uma época clássica, quase ideal, e acredito pouco nas coisas ideais. A realidade é sempre muito mais banal do que o mundo das ideias. Hibridações complexas quer dizer que não são obras simples e diretas, elas têm seus trejeitos ao acessá-las e criá-las. Nessas obras, não me chamou muito a atenção como a Torre Iberdrola era construída, mas sim vê-la crescer. Desde a minha janela, eu via como, pouco a pouco, um esqueleto ia aparecendo no espaço.

Além de possuir uma grande coleção, a Iberdrola promove a arte através de diversas iniciativas. Podemos considerar as grandes empresas como um dos grandes mecenas do século XXI?

Sim, a Iberdrola é um dos poucos mecenas que existe a nível empresarial. É louvável que uma empresa assim se preocupe em ter uma coleção própria. Provavelmente, há outras iniciativas que poderiam ser propostas e ter um certo interesse a nível empresarial.

Para nós, que vivemos exclusivamente de nosso trabalho, ficará mais complicado, mas teremos que reinventar coisas e procurar saídas

Voltando ao assunto do ambiente que comentávamos antes, como você vivenciou o confinamento pela pandemia da COVID-19? Afetou seu processo criativo?

A crise do coronavírus me surpreendeu confinado com duas crianças pequenas em casa, as quais eu tinha que atender e ajudar com seus deveres escolares. Minha esposa é médica em uma UTI, então foi um processo complicado. Apesar de eu não ter ido ao ateliê e haver estado parado, a cabeça não pode parar de ter ideias e, mesmo desde um pequeno quarto, surgiram algumas que acho que servirão para fazer uma evolução no meu trabalho futuro.

As repercussões em termos socioeconômicos da crise do coronavírus terão um grande impacto. Nesse sentido, o setor da cultura e da arte podem ser dos mais afetados. Como você analisa essa situação: com otimismo ou pessimismo?

Infelizmente, tenho a sensação de que passaremos por uma grande crise. Os artistas, os atores, o mundo da cultura em geral irá viver tempos muito, muito duros. A nível existencial, vejo as coisas com otimismo e a nível econômico, com pessimismo. Para nós, que vivemos exclusivamente de nosso trabalho, ficará mais complicado, mas teremos que reinventar coisas e procurar saídas. O mundo das galerias, por exemplo, está muito parado neste momento e, apesar de ter que reiniciar, esta crise também afetará os colecionadores. Em qualquer caso, a arte sempre estará aqui porque nós, os artistas, sempre podemos criar e sempre estamos criando. Mais além do espaço físico, na nossa cabeça sempre estão passando coisas e, às vezes, uma folha de papel e uma caneta são suficientes para iniciar alguma coisa. Espero que tudo isso passe e que, dentro de algum tempo, vejamos esta época como algo da qual aprendemos coisas.